```Quarenta anos vos fiz andar pelo deserto. A roupa do vosso corpo não se desgastou, nem o sapato no vosso pé.```
_Deuteronômio 29:5_
Os dias pareciam mais longos. As noites, mais escuras e tristes.
Eu estava desempregado e tudo o que tínhamos, aos poucos fomos consumindo...
São tempos de chorar
Tempos de aborrecer.
Vi meus sapatos já bem gastos, alguns até furados. Longas caminhadas...
Levei meus sapatos ali, na esquina ao lado da Congregação da Vila Santa Terezinha, no Campanário.
Lá havia um sapateiro.
Era no começo da rua Buritis.
O irmão João era um homem simples.
De avental, chapéu e muito zelo, passava o dia consertando calçados.
Ele disse que eu podia esperar, pois ele consertaria meus sapatos assim que ele terminasse o de outro cliente..
Me sentei e fiquei observando seu trabalho. Retirava o salto do sapato, o solado, lixava, colava, costurava...
Tudo com muito esmero
Era um artista
Trabalhava com muito amor.
Mostrou-me duas máquinas e contou como Deus havia preparado. Máquinas para fabricar os calçados.
Explicou como funcionava e falava ao mesmo tempo sobre os milagres que Deus fizera em sua vida...
Entra um cliente, fala o nome, as sandálias estavam prontas.
Recebe alguns trocados pelo conserto simples, de trocar uma pequena fivela.
Era um lutador.
O irmão João falava com saudade dos tempos da sua mocidade.
Contou-me quando foi a primeira viagem para evangelizar familiares.
O irmão João não tinha pressa de terminar o conserto. Ele parava para contar um pouco da sua vida sofrida, mas cheia de obras.
Ele estava na terceira idade, mas continuava trabalhando diariamente.
O motor ligado, lixando, desbastando, nivelando...
Desligava antes de finalizar para conversar...
–"Deus me levou em muitos lugares, irmão Rogério! Passei por lugares difíceis, mas Deus foi comigo sempre."
Ainda moço, Deus lhe confirmou uma viagem a Minas Gerais.
Ele levava a Palavra de Deus em lugares que ainda não tinha a Obra de Deus.
Um dia ele contou ao irmão Rizzieri o que Deus fez em alguns lugares que ele passou e o irmão lhe disse que no norte de Minas Gerais, em muitas pequenas cidades, o povo é de opinião, e o aconselhou que tivesse paciência e muito jeito de conversar com aquelas pessoas.
Se alguém batesse a porta na sua cara, ele não deveria descartar aquela pessoa. Ele deveria voltar aquela casa novamente e sempre falar com amor e mansidão.
E, caso ele estivesse em uma cidade e alguém falasse de outra cidade mais adiante, e ele sentisse de ir lá, não voltasse para casa sem visitar aquela outra cidade, pois estava mais distante se ele voltasse para casa...
O irmão João me explicou o que significa um povo de opinião.
E eu ouvia atentamente aquelas palavras, pois me serviriam mais tarde.
O irmão João já estava consertando o meu sapato, quando entra um irmão que eu não conhecia...
–"A paz de Deus!"
–"Amém!" respondeu o irmão João, e já foi perguntando:
–"O que o irmão tem aí nessa sacola? O irmão está vendendo alguma coisa?"
–"É queijo e goiabada, irmão. Qualquer peça é R$ 5,00" –responde muito tímido, o irmão, olhando para o chão.
–"Me dê dois queijos e duas goiabadas. É pra mim e para o irmão Rogério!"
O irmão João percebeu meu olhar de quem não tinha um tostão, e antes que eu falasse alguma coisa, ele tirou R$ 50,00 do bolso e entregou ao irmão.
–"Não tenho troco, irmão. Vou trocar ali na"...
–"Já está certo, meu irmão. Fique em paz"
Aquele irmão se despediu com um sorriso
–"Deus que abençoe os zirmão"
O irmão João me entregou uma peça de queijo minas e uma goiabada caseira, e me disse:
–"Irmão Rogério, eu não estava com dinheiro sobrando, não pense que eu gasto dinheiro à toa...
Quando vc encontrar um irmão vendendo alguma coisa, compre. Ajude a quem você encontrar.
Seja a resposta da oração do teu irmão.
Esse irmão pode ter deixado em casa esposa e filhos com fome, ou com contas a pagar. Estavam só esperando ele chegar com alguma coisa em casa.
Nós gastamos tanto com bobagens...
Melhor ajudar nossos irmãos"
Fiquei maravilhado com tantas lições em apenas uma manhã...
Ele terminou de aprontar os sapatos.
Perguntei-lhe quanto foi o conserto.
O irmão João sorriu mostrando, a falta de dois dentes. Vi suas rugas no rosto queimado, olhos lacrimejando, cerrou os lábios tentando evitar o choro, mas as palavras saíram cortadas ...
–"Irmão, assim que você chegou aqui eu já senti que eu deveria fazer o serviço pra você sem cobrar nada. Guarde tudo que você ouviu hoje aqui, pois logo você vai precisar. Ore por mim. Que Deus abençoe você por onde você andar.
Vá em paz e sirva a Deus!"
Agradeci e saí enxugando as lágrimas do rosto...
Vi o irmão João mais duas ou três vezes...
Nas guardarei para sempre suas palavras e seu exemplo de vida.
Anos depois eu contei essas coisas em Porto de Galinhas, quando eu trabalhava na praça do Itaoca, onde muitos irmãos tinham barracas... Daniel, hoje diácono, Josué, Ronaldo, Ezequias, Izac, Eurides e Ivanildo, Leni, Suelane, Amorim e outros...
A irmã Maria esposa do irmão Sebastião Justino, passou mais tarde por lá vendendo gravatas.
Quase todo mundo comprou gravatas.
Ela vendeu todas em poucos minutos...
Ela nunca soube o que aconteceu, nem ouviu falar daquele sapateiro de Diadema-SP...
Voltou para Ponte dos Carvalhos só com o dinheiro naquele dia.
A bondade é contagiante.
A influência dos mestres continua após sua morte.
Ao lembrar do texto que falava que as roupas dos hebreus não se gastavam nem seus sapatos, entendi que tudo que acontece em nossa vida tem um motivo e produzirá frutos para Honra e Glória do Nosso Deus.
Meus sapatos se gastaram para que eu conhecesse o irmão João Sapateiro de Diadema.
Deus vos abençoe sempre